Violência de gênero
Heleieth I. B. Saffioti*
Resumo: A subjetividade é construída por meio das relações sociais. Sujeito e objeto experimentam dois momentos: o da fusão e o da autonomia. O sujeito é constituido em gênero, classe e raça/etnia: é, portanto, múltiplo. Nega-se a existência do nãosujeito em qualquer hipótese, inclusive para designar a vítima, assim como se nega a dicotomia vítima-algoz. O que há são relações sociais violentas.
“...Feuerbach não vê que o próprio ‘espírito religioso’ é um produto social e que o indivíduo abstrato que ele analisa pertence, em realidade, a uma forma social determinada.”(Thèses sur Feuerbach, VII) Embora se tenha utilizado apenas a tese VII sobre Feuerbach como epígrafe, o espírito de todas as onze permeia este trabalho. Isto equivale a dizer que sujeito e objeto não existem independentemente da atividade, uma vez que só por meio desta podem ocorrer os processos de subjetivação e objetivação. Assim, sujeito e objeto não são dados a priori, mas se constroem na e pela relação social. Por conseguinte, são sempre e sem sombra de dúvida historicamente situados. Nestes termos, a história é o demiurgo do sujeito-objeto. Passa-se, doravante, sempre que possível, a empregar a expressão sujeito-objeto, numa tentativa de afastar todo e qualquer risco de oferecer uma leitura dicotomizada. Rigorosamente, subjetivação e objetivação não são senão duas faces de um mesmo processo, quando o universo conceitual se constrói no seio de uma sociologia e de uma psicologia materialistas. “As bases do psiquismo humano desenvolvido são constituídas pelo patrimônio histórico-
* Professora de Sociologia da PUC-SP.
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social externo aos indivíduos e, como tal, não têm a forma do psíquico, não são, em absoluto, psíquicas. Só há algo da ordem do psíquico nos indivíduos, mas este psíquico só se desenvolve através da apropriação psíquica de um patrimônio social