Venenos valiosos
País ganha e perde com o potencial bioquímico das cobras peçonhentas
NILZA BELLINI |
Há mais de um século, o médico sanitarista Vital Brazil Mineiro da Campanha, diretor do Instituto Serumtherápico, hoje Butantan, interessado em comprovar que os venenos das várias espécies de cobras brasileiras eram diferentes entre si, decidiu pesquisar detalhadamente a peçonha da Crotalus, a temida cascavel. O cientista havia notado que as vítimas dessa serpente apresentavam sintomas de analgesia no entorno da picada.
Seus estudos não foram concluídos naquela época, mas a idéia de que o veneno de cobra poderia servir como remédio continuou a estimular a curiosidade dos cientistas. Muitos anos se passaram até que, em 1948, procurando explicar como o veneno da jararaca mata ou paralisa suas vítimas, o pesquisador Gastão Rosenfeld levou para o laboratório do químico e farmacologista Maurício Rocha e Silva, no Instituto Biológico, em São Paulo, uma amostra da peçonha da Bothrops jararaca com o objetivo de estudar seus efeitos em cães. Após injetarem o veneno num animal, os pesquisadores puderam observar que sua reação com o plasma sangüíneo liberava uma substância que possuía intensa ação hipotensora, denominada bradicinina.
Entre os orientandos de Maurício Rocha e Silva na Universidade de São Paulo (USP), campus de Ribeirão Preto, já nos anos 1960, um jovem cientista chamado Sérgio Henrique Ferreira constatou que a hipotensão provocada pela liberação da bradicinina no sangue da vítima é potencializada pela ação de pequenas toxinas encontradas em grandes quantidades no veneno da jararaca. Essas pequenas toxinas, denominadas peptídeos potenciadores da bradicinina (BPPs), foram isoladas por Ferreira e colaboradores. Quando foi para a Inglaterra fazer seu pós-doutorado, no Imperial College de Londres, Ferreira levou o resultado de suas pesquisas, o que permitiu que um grupo de cientistas liderado pelo inglês John Vane (ganhador do Prêmio Nobel de Medicina)