TRABALHO DE FILOSOFIA 3
Dom Quixote de La Mancha (Ediouro) é um livro universal e válido para todos os tempos, mas só uma sociedade poderia têlo produzido: a Espanha do século 17. Para o leitor de hoje, é um pouco difícil imaginar o que foi o país das touradas na época do desajeitado cavaleiro andante. Tudo girava em torno do Império Ibérico: não havia uma pimenta da Índia, um quinhão de ouro do México, uma jóia de prata do Peru ou um escravo da Guiné que entrasse no continente europeu sem a chancela dos Habsburgo, a família real espanhola.
A sociedade em que se inspirou Cervantes para compor sua obraprima era exagerada, contraditória e instigante. Nobres lançavam ouro pela janela para ver a multidão de mendigos se engalfinhar lá embaixo, bandoleiros amedrontavam as caravanas para filar as sobras dos banquetes e prostitutas arrepiavam o vestido para fisgar um conde desavisado. Marcada pelo luxo e pelo lixo, aquela sociedade criou um tipo disposto a ser socialmente reconhecido: o fidalgo, que, ao pé da letra, quer dizer “filho de algo”.
Eram pessoas que não tinham privilégios, mas traziam algum sangue azul e um desejo ardente de prosperar.
Esses fidalgos, que buscavam se firmar numa sociedade em mutação, constituíram o exemplo perfeito para que Cervantes bolasse o seu ingenioso hidalgo. Intoxicado por novelas de cavalaria e máximas católicas, Dom Quixote enfrentou grandes inimigos imaginários para provar um heroísmo insuperável e garantir seu lugar ao sol na alucinante sociedade espanhola. Na verdade, Cervantes estava criticando, ao mesmo tempo, dois universos presentes em seu tempo: a antiga herança medieval dos cavaleiros, que já cheirava a mofo no século 17, e a importância descomedida que se dava aos valores