Textos
Vivi perdendo a cabeça perdendo meus livros preferidos perdendo pares de meias novas perdendo cartas nas gavetas
Perdendo roupas no varal
Perdendo os dias de ontem
Perdendo a coragem da entrega
Perdendo documentos nos bares
Perdendo a memória das fotografias
Perdendo flores esquecidas nos vasos
Nenhuma perda foi tão difícil quanto a perda da hora
Perdi a hora
No atraso das perdas, perdi você.
As cartas que eu não mando
Coloria seus envelopes antes de guardá-las. Ensaiava todas as palavras que usaria como resposta aos agradecimentos para não deixar transparecer minha habitual aflição. Pensei em enviá-las em todos os seus finais enquanto imaginava as reações que todas aquelas palavras curvas causariam caso fossem realmente enviadas.
Perdi as contas desde as últimas que escrevi. Danem-se as estimativas. Nunca me interessou os fragmentos de tempo que desperdicei dedicando-me tão intimamente a elas, tampouco seus algarismos. A relevância de meu tempo jamais foi medida pela constância das horas. Tempo nenhum teria uma consideração genuína, caso eu não me esforçasse tanto para guardá-lo. O importante sempre foi entorpece-lo em alguma superfície. Ainda que essa superfície não fosse vista por ninguém.
Elas acumulam-se pelas gavetas, se escondem entre cadernos velhos, perdem-se entre as páginas amareladas de meus livros enquanto perdem as cores, o contexto. Omitem partes de mim que já quis esquecer e abandonei sem sequer me lembrar. Abrigam minhas lembranças, meus carinhos, angústias, aborrecimentos. Tomaram bastante espaço de mim e do meu tempo, embora hoje só ocupem espaços de minhas gavetas.
Se fossem enviadas talvez amenizassem o peso que carrego. Talvez diminuíssem minha desorientação. Talvez mudassem para sempre o curso da minha vida. Talvez aumentaria o número de todos os meus perdões, caso eu remetessem as minhas desculpas. Mas não. Nenhum aspecto será diminuído ou aumentado por nenhuma ótica. Elas não serão entregues. Nunca.
Comigo. Dança?