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Quitéria costurou o buraco aberto na capa do colchão de espuma e virou-o do outro lado. "É assim sempre, você costura aqui, a pequenininha abre ali. Desde que pegou essa mania de comer colchão, não dá sossego.
Comeu até a espuma da boneca."
A "pequenininha" é Graziele, 2 anos. "Nem sei quando começou isso, mas é só ver um colchão lá vai ela com os dedinhos, puxando aqui, puxando ali, até que abre um buraco e começa arrancar e comer espuma. Acho que é por causa do esgoto que corre aqui na frente da casa. É só distrair e as crianças estão brincando lá dentro."
“Quitéria e os fundos do HC”
Quitéria mora numa casa de dois cômodos na rua Japão, no Embu das Artes, sudoeste da Grande São
Paulo. São vários lances de escada, descendo calçada abaixo. Mas não é do outro lado do mundo; em 40 minutos de ônibus, uma hora em dia de muito trânsito, ela está na casa onde faz faxina das 8h ao meio dia, em Pinheiros.
Da janela da casa da patroa, ela pode ver o contorno dos prédios mais altos do Hospital das Clínicas. Em cinco minutos andando a pé e entrando pelo trecho sem saída da rua Artur de Azevedo, ela está nos fundos do HC gigantesco, imponente, assustador, acolhedor. O HC, Quitéria nem sabe, é o maior hospital do país, dizem até que da América Latina. Por aqueles quarteirões todos, onde ela já se perdeu várias vezes, circulam 20 mil pessoas por dia, são funcionários, médicos, estudantes, doentes. Pelos ambulatórios, são 3.500 a 4.000 pessoas passando por consulta, todo dia. Só no ano passado foram feitas 34.418 cirurgias, uma dessas operações que Carlinhos seu filho está esperando. Pelo pronto-socorro, onde ela já esteve uma vez com a menorzinha, entraram 299.705 pessoas no ano passado. Quitéria nem deveria se preocupar com os doutores, são 1.200 médicos, mais 800 residentes. Se algum dos pequenos cair doente, ela não ficará sem amparo, o hospital inteiro tem 1.999 leitos.
Para quem veio sozinha de Peripará, no sertão da