Só pra ver mesmo
"Olhos coloridos", de Macau, além de ser, sempre, a canção abre-alas de Sandra de Sá, é uma grande celebração da mistura étnica brasileira. Muito pela interpretação fervorosa e alegre (da alegria de ser o que é) de Sandra.
Desde que ela gravou esta canção swingada de batida black music pela primeira, no disco Sandra Sá 2 (1982), a magia de uma mensagem afirmativa e denunciadora de uma verdade coletiva se renova pelo tema sempre atual: a beleza e a riqueza de ser (todo brasileiro é) sarará crioulo.
De fato, este mote da mestiçagem, da hibridação, vira e mexe, retorna como mote para nossos compositores, basta lembrar a título de amostragem, "Inclassificáveis", de Arnaldo Antunes, com os versos "aqui somos mestiços mulatos cafuzos pardos mamelucos sararás crilouros guaranisseis e judárabes"; ou "Lourinha bombril", de Diego Blanco y Bahiano (na versão de Herbert Vianna):" Essa crioula tem o olho azul, essa lourinha tem cabelo bombril, aquela índia tem sotaque do Sul, essa mulata é da cor do Brasil".
Por aqui, negros embranqueceram, brancos enegreceram, como captam os versos acima citados. Por isso, o riso de desprezo e zombaria do outro, igual a mim, brasileiro, não tem sentido: é apenas sintoma da hipocrisia de alguém que não se conhece; não admite sua história; não despertou para a felicidade de assumir a diversidade das cores de seus olhos.
Como Antonio Risério observa no livro A utopia brasileira e os movimentos negros: "mestiçagem não significa abolição de diferenças, contradições, conflitos, confrontos, antagonismos. Mestiçagem não implica fim do racismo, da violência, da crueldade. E a melhor prova disso é o Brasil. Um país informal, gregário e convivial, sim, mas também o país onde (...) o apartheid se sobrepõe brutalmente ao padê". Para mais adiante apontar: "salvo raríssimas exceções, nossos negros são todos mestiços".