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Crônica: Tardemais (Sérgio Rodrigues/Sobre Palavras 12/01/2014)

Consultou o relógio. Faltavam sete minutos para o fechamento do cartório, e como era mineiro pensou: tardemais. A longa serpente do tráfego parada ao sol. Deixou o carro aberto, abandonou-o lá, lançou-se entre os pedestres espessos que forravam as calçadas sentindo-se uma gota d’água a procurar uma brecha no chão da caatinga, tardemais, ponta-esquerda ciscador diante da retranca mais desavergonhada que um treinador italiano pudesse conceber, empurrando pessoas sem se desculpar e ainda por cima fabricando metáforas assim estúpidas em rápida sucessão como um caleidoscópio ou uma matraca. Tardemais, tardemais, a dor de saber que não chegaria a tempo não ia embora mas talvez fosse possível ofuscá-la. Ofuscamento, sim, tudo aquilo era um grande ofuscamento: impossível chegar a tempo, tardemais, e daí? Melhor não pensar por enquanto no e daí, não ainda – quatro minutos e a chance de chegar a tempo agora é menos que zero mas ele corre e atropela, tardemais, empurra, ouve insultos, porque desse modo pelo menos, né? As buzinas, o provável roubo do rádio do carro e de quem sabe mais o quê, o transtorno imenso de um automóvel abandonado assim na avenida em pleno rush, o ar que queima os pulmões e essa pontada no lado direito da barriga e o fôlego curto uivando seu desespero com lágrimas nos olhos – três minutos, tardemais, e daí? Firma reconhecida, três vias, tá com pressa, animal? Não é isso, desculpe, normalmente sou gentil mas é questão de vida ou morte, ah não me diga? Vida ou morte, só isso? Depois os pedestres espessos vão dizer que ele parecia louco quando atirou a pasta de documentos para o alto e se lançou na frente do ônibus que vinha na pista contrária, a que estava livre, enquanto os papéis caíam feito confete sobre a cena. Faltava um minuto ainda para o cartório fechar mas agora não havia mais dúvida nenhuma.