Sermoes Padre Paulo Vieira
§I
Estas palavras que hoje nos propõe a Igreja, e nos manda pregar ao povo cristão, são as mesmas que Cristo antigamente pregou contra os escribas e fariseus. E porque são as mesmas, parece que não é razão se nos preguem a nós. Cristo nestas palavras queixava-se dos judeus, porque o não criam: Quare non creditis mihi (Jo. 8, 46)? E não seria grande impropriedade, e ainda afronta da nossa fé, se em um auditório tão católico fizesse eu a mesma queixa, e afirmasse, ou supusesse de nós, que, sendo cristãos, não cremos a Cristo? Este foi o meu primeiro reparo, e me pareceu conforme a ele que as palavras do Evangelho, que propus, só as mandava referir a Igreja como história do tempo passado, e não como doutrina necessária aos tempos e costumes presentes. Dei um passo mais avante com a consideração, e comecei a duvidar disto mesmo. Olhei para a fé, que se usa, olhei para a vida e obras que correspondem à mesma fé, olhei para os pequenos, e muito mais para os grandes, olhei para os leigos, e também para os eclesiásticos, e achei, e me persuadi, com grande confusão minha, que tão necessária é hoje esta pregação, como foi no tempo de Cristo. E porquê? O dia é de verdades: hei de dizer o porquê muito claramente. Porque se os escribas e fariseus não criam a Cristo, também os cristãos e católicos não cremos a Cristo. Iramo-nos muito, e dizemos grandes injúrias contra os judeus daquele tempo, e nós somos como eles. Contra eles pregou Cristo, contra nós prega o Evangelho. E se Cristo falara daquele sacrário, assim como então disse aos judeus: Cristãos, por que me não credes? Se sois, e vos chamais cristãos, por que não credes a Cristo? Parece-me, senhores, que vos vejo inquietos, e ainda indignados contra mim, por esta proposta, e que cada um dentro de si, não só me está