sentimento do mundo
Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis.
Quando os corpos passarem, eu ficarei sozinho desfiando a recordação do sineiro, da viúva e do microcopista que habitavam a barraca e não foram encontrados ao amanhecer
esse amanhecer mais noite que a noite.
TRISTEZA DO IMPÉRIO
Os CONSELHEIROS angustiados ante o colo ebúrneo das donzelas opulentas que ao piano abemolavam
“bus-co a cam-pi-na se-re-na pa-ra li-vre sus-pi-rar”, esqueciam a guerra do Paraguai, o enfado bolorento de São Cristóvão, a dor cada vez mais forte dos negros e sorvendo mecânicos uma pitada de rapé, sonhavam a futura libertação dos instintos e ninhos de amor a serem instalados nos arranha-céus de Copacabana, com rádio e telefone automático.
MENINO CHORANDO NA NOITE
Na noite lenta e morna, morta noite sem ruído, um menino chora.
O choro atrás da parede, a luz atrás da vidraça perdem-se na sombra dos passos abafados, das vozes extenuadas, e, no entanto, se ouve até o rumor da gota de remédio caindo na colher.
Um menino chora na noite, atrás da parede, atrás da rua, longe um menino chora, em outra cidade talvez, talvez em outro mundo.
E vejo a mão que levanta a colher, enquanto a outra sustenta a cabeça e vejo o fio oleoso que escorre pelo queixo do menino, escorre pela rua, escorre pela cidade, um fio apenas.
E não há mais ninguém no mundo
A não esse menino chorando.
MORRO DA BABILÔNIA
À noite, do morro descem vozes que criam terror
(terror urbano, cinqüenta por