Resenha sobre o livro Budapest
Por José Miguel Wisnik
A história de um escritor dividido entre duas cidades, duas mulheres, dois livros, duas línguas.
O professor de literatura José Miguel Wisnik analisa Budapeste
"O AUTOR DO LIVRO (NÃO) SOU EU"
"literatura [...], das artes a única que não precisa se exibir" [p. 117]
Tecnicamente, Budapeste é um romance do duplo, tema clássico na literatura ocidental desde que a identidade do sujeito tornou-se problema e enigma. A questão desfila nas narrativas do século XIX, através dos motivos da sombra, do sósia, da máscara, do espelho, e evolui para a indagação dessa esfinge impenetrável e desencantada que é a própria pessoa como persona e ninguém. Na criação literária, no entanto, o escritor é o duplo de si mesmo, por excelência e por definição, aquele que se inventa como outro e que escreve, por um outro, a própria obra.
Literatura é uma alteração da identidade, uma questão de outridade. Borges consagrou-se ele mesmo como personagem e autor da condição do duplo ("Borges e eu"). Henry James, na sua novela A vida privada, fala de um escritor célebre que exibe em efígie, nos salões, a sua mundanidade fútil, ao mesmo tempo em que um outro secreto, recolhido ao quarto, escreve por ele a sua obra profunda. Abre-se um fosso entre a imagem pública e o trabalho literalmente obscuro de escrever. Um anônimo radical é a outra face do medalhão. Quem leva a fama?
Tudo isso serve - e não serve - para se falar de Budapeste. Chico Buarque teceu uma variação inusitada (poderíamos dizer diabólica, se consideramos que o húngaro é a "única língua do mundo que, segundo as más línguas, o diabo respeita"), sobre o escritor e seu duplo, sobre fama e anonimato, sobre identidade e impostura, sobre quem-é-quem e ninguém.
Um autor anônimo de textos sob encomenda, de nome José Costa, resguardado sob rigorosa "confidenciabilidade", ponto de honra da firma Cunha & Costa Agência Cultural, transita das monografias escolares, cartas de