Resenha Sapato de salto Ligya Bojunga

SAPATO DE SALTO LYGIA BOJUNGA

Lygia vem mergulhando cada vez mais fundo, e levando a nós, leitores, em suas destemidas jornadas pelos meandros das relações humanas. As situações-limite que os personagens vivenciam sacodem o leitor, tirando a poeira das ideias preconcebidas. Não há escapismo ou hipocrisia em suas histórias: as crianças enfrentam na ficção, como na vida real, condições dramáticas, que nos provocam emoções intensas e fazem brotar um grito mudo na garganta.
A protagonista é uma menina ainda pequena, a Sabrina, que aos 9 anos poderia habitar um mundo de histórias suaves, de acordo com o que os adultos considerariam adequado à sua idade. Nada disso: ela convive com o abandono em um orfanato, o abuso sexual, a loucura, o assassinato, a prostituição. Lygia não poupa a menina de cenas chocantes: provoca nossa revolta ao negar-lhe, no meio da história, um final feliz com a tia Inês, que a resgatara da casa onde levava uma vida de servidão e abuso; faz dela uma testemunha impotente do assassinato da tia; deixa-lhe a responsabilidade de cuidar da querida avó louca, única família que lhe restara; lança-a no mundo da prostituição como único meio de sobrevivência possível. Nem mesmo a brincadeira infantil de vestir as roupas do adulto e reproduzir seu papel na fantasia está a seu alcance: Sabrina calça os sapatos da tia, figurino de prostituta, para, como ela, vender o corpo em troca de dinheiro para garantir comida para si e sua avó. Cinderela às avessas, o sapatinho encantado transporta a menina para um mundo sórdido onde ela não deveria estar.
No entanto, longe de escrever um livro-denúncia, feroz e áspero, Lygia narra estas situações com tal fluidez e domínio de linguagem, que a humanidade das personagens prevalece sobre todos os dramas. Ela fala de muito perto, de dentro, colada com os personagens: os sentimentos estão vivos, pulsantes, e nos envolvem intensamente. Assim se mostra a possibilidade de salvação da Sabrina: na dança, a alegria do corpo