Readphone Sessions - Cartola 1974 - Amor Proibido
477 palavras
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“Eu e meu violão, vamos rogando em vão, o teu regresso...” Os dedos dedilham pelo cavaquinho, mesmo desafinado e com uma corda a menos. O mestre treme de emoção e faz um gigantesco esforço para se lembrar da letra da canção.— Mas que saco! Como era mesmo a outra estrofe?
— Olha, mestre, eu até lembro doutra parte desse samba aí, mas estou pasma de ver o sinhô cantando.
— Então fala aí como é.
— Tá... mas o que deu no sinhõ pra resolvê cantá?
— Num interessa. Só fala como é o resto da música.
Assim que a gorda canta a estrofe seguinte, ele a dispensa e se concentra no samba. Seus olhos estão quase lacrimejando e seu rosto começa a suar frio quando vê uma luz intensa entrando pela velha janela. A luz é tão forte que só não o cega porque ele está com os óculos de lentes de gordura. Seus lábios tremem, e ele fica travado, sem conseguir tocar nem uma nota mais. O miserável do gato dá um grito ensurdecedor e foge.
— És tu, minha amada?
— Ó, mestre, sou eu mesma.
— Ai, ai, que saudades!
— Eu também.
— Me beija.
— Me abraça – diz uma voz rouca e muito grave.
— Quem?
— É o compositô, seu amigo!
— O que tu faz com ele?
— A gente tá junto...
Mal deu tempo de ela terminar a frase e o mestre dá um salto sobre o tal compositor. Seus olhos em lágrimas ficam secos e vermelhos, e seu corpo não treme mais de emoção, mas de raiva.
O vento que sopra pela janela carrega a poeira que está estacionada no parapeito faz muito tempo. Entre espirros causados pela poeira e uns pontapés sobre o compositor, ele xinga a mulher que tanto queria rever. O ódio, a raiva, a traição tomam conta de sua mente, e o cavaquinho acaba por armá-lo. Uma chuva fina e fria começa a cair. Raios e trovões começam a dançar pelo sombrio céu, e o meio-dia se transforma num breu total. Fazia quase duas horas que eles brigavam, quando, num golpe certeiro do mestre, o compositor cai sobre a xícara de café e, como numa analogia profética, derruba o “preto bem forte” no chão.
De repente não é