Quadro de textos
Fuga (Nos Teus Braços Morreríamos, 1998)
O branco da parede ocupava todo o espaço dos meus olhos, o meu corpo era um resto enrolado numa camisa, e dentro de mim havia uma dor que prometia ir-se logo que outra maior a viesse substituir. Eu esperava que ela acabasse de tomar duche e viesse ter comigo.
Mas não veio ter comigo. Vestiu-se num instante e saiu de casa como se fosse a fugir. Abri a porta da entrada e ainda a vi de costas a dobrar o corredor ao fundo, e disse o seu nome já sem forças, que não deve ter ouvido, e depois fechei a porta como se fosse de mim que me estivesse a despedir.
A angústia vinha como ondas e, nos intervalos, largava-me numa paz logo desfeita para depois recomeçar mais poderosa. Deitei-me sobre a cama ainda quente onde tínhamos dormido e quis-me contar desde o princípio a nossa história. Para saber como tinha sido, onde estávamos, o que viria. Para encontrar um sentido, uma garantia, qualquer coisa. Nem consegui começar.
Deitado, de costas viradas para mim, comecei a chorar. Pedi-lhe que parasse com aquilo, que voltasse, que me dissesse o que era. Ninguém ouvia. Continuei a chorar.
Lembrava-me só de uma frase que voltava sem que a quisesse lembrar. “És a pior coisa que me poderia ter acontecido.”
Muito Frágil (Vida de Adulto, 1992)
A Ana estava em cima de um pouf a fazer disparates mas ninguém ligava. Punha-se em pose, tipo sereia de Estocolmo, e nós sorríamos. Eu, em particular, sentia-me muito adulto. Depois fazia de diva com os cabelos compridos pendendo de lado. O Luís tinha o sorriso mais bonito que é possível imaginar e o Mário, porque tinha cortado o cabelo nesse dia, parecia mais novo. Havia mais pessoas a dançarem na sala do fundo e a música era excelente. A rapariga que tínhamos ido buscar a um moderno apartamento, especialista em direito de família, era a mais silenciosa, talvez por não se sentir em casa.
Disse-lhes que tinha de ir ver a Susana e o Mário disse logo que