Pesquisas Literatura
O vizinho do andar superior – e que nunca cheguei a ver – fazia às vezes ruídos esquisitíssimos, não consegui decifrá-los nas minhas noites acesas, eram ruídos noturnos: coisas esponjosas que se arrastavam pelo chão, pensei em panos úmidos, mas os ruídos passaram por variações, criaram vida e se puseram deslizantes como cobras indo e vindo num ritmo comandado.
Muitas cobras –seria um amestrador de circo? Cessaram de repente e começou um barulho trepidante, ágil como o movimento circular de uma máquina de rodinhas, rodinhas de borracha, talvez um carrinho de boneca, embora certa noite as rodas do carrinho tomassem inesperadamente dimensões adultas, ficaram rodas mais responsáveis, difíceis – uma cadeira de paralítico? Os novos inquilinos que chegaram são silenciosos. Tão silenciosos que ouço no silêncio o som de uma pena raspando no papel uma letra caprichada – um velho escritor? Quando cessa o ruído rascante da pena que já deve estar muito usada, começa o ruído delicado de alfinetes caindo no chão, dezenas de alfinetes que depois são recolhidos numa caixinha de papelão. Quando a caixa transborda, são espetados numa almofadinha – um alfaiate? Fiquei adiando a pergunta que ia fazer ao porteiro sobre os meus vizinhos mas, eles se mudaram, chegaram inquilinos novos e até agora não ouvi nada. Absolutamente nada. Continuo esperando.
(TELLES, Lygia Fagundes. “24 de outubro”. In: A disciplina do amor. 2ª Ed. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980 –p.82-3)
Monteiro Lobato
Jeca Tatu era um pobre caboclo que morava no mato, numa casinha de sapé. Vivia na maior pobreza, em companhia da mulher, muito magra e feia e de vários filhinhos pálidos e tristes.
Jeca Tatu passava os dias de cócoras, pitando enormes cigarrões de palha, sem ânimo de fazer coisa nenhuma. Ia ao mato caçar, tirar palmitos, cortar cachos de brejaúva, mas não tinha idéia de plantar um pé de couve atras da casa. Perto um ribeirão, onde ele pescava de vez em quando uns lambaris e um ou outro bagre. E