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PAULO FREIRE CONVERSA COM MARCIO O`O1NE CAMPOSLeitura da palavra... leitura do mundo
• PAULO FREIRE. Em nossos muitos encontros, confrontamos nossas experiências no tocante à alfabetização. As lições que você tirou de suas pesquisas em etnociência coincidem freqüentemente com minha visão de pedagogo e lançam uma luz original sobre o que chamei de
"leitura do mundo".
Sempre repeti que é impossível conceber a alfabetização como leitura da palavra sem admitir que ela é necessariamente precedida de uma leitura do mundo. A aprendizagem da leitura e da escrita equivale a uma "releitura" do mundo.
É preciso não esquecer essa evidência: as crianças pequenas, bem antes de desenharem e traçarem letras, aprendem a falar, a manipular a linguagem oral. Por intermédio da família, lêem a realidade do mundo antes de poderem escrever. Em seguida, apenas escrevem o que já aprenderam a dizer.
Qualquer processo de alfabetização deve integrar essa realidade histórica e social, utilizá-la metodicamente para incitar os alunos a exercerem, tão sistematicamente quanto possível, sua oralidade, que está infalivelmente ligada ao que chamo de
"leitura do mundo". Essa primeira leitura do mundo leva a criança a exprimir, mediante signos e sons, o que ela aprendeu do universo que a cerca.
A alfabetização exige que se tome essa realidade como ponto de partida. Deve, inclusive, articularsecomela. Não se deve afastar dessa fonte por preço algum. Pelo contrário, precisa incessantemente voltar a ela, para permitir, graças ao acréscimo de meios de conhecimento proporcionados pela leitura e a escrita, um deciframento mais profundo, uma
"releitura" do mundo tal como foi descoberto pela primeira vez.
Dependendo da cultura considerada, essa aprendizagem estrutura-se em torno de dois pólos de conhecimento: de um lado, o saber "espontâneo"; de outro, o saber "rigoroso", ou científico. Existe, aliás, em cada um de nós, um conflito entre os dois.
A exigência do rigor jamais é límpida, jamais está livre da