Nelson Rodrigues-Poemas
Nelson Rodrigues
Foi o diabo quando a Fulana veio morar na rua. Primeiro, encostou um táxi na porta da casa vazia. Desceram uma senhora, uma menina e a babá, uma preta gorda, imensa, de busto ilimitado. Nessa altura dos acontecimentos, já a vizinhança em peso, numa curiosidade sôfrega e unânime, apinhava-se nas janelas. E o fato é que, à primeira vista, a impressão não foi boa. A tal Fulana, com efeito, podia ser vistosa. Mas havia, nos seus modos, roupas e risos, um exagero suspeito. Além do mais, o decote deixava bem nítido – nítido demais – o princípio do seio, D. Edgardina, que estava na janela, numa curiosidade tremenda, teve um muxoxo significativo: - Hum! As outras mulheres da rua também ficaram com a pulga atrás da orelha. Procurou-se o marido da recém-chegada e só meia hora depois cochichou-se: “Viúva”. As comadres fizeram suas deduções: “Aqui há dente de coelho”. Quando chegou a mudança, com o mobiliário, as trouxas de roupa e a gaiola com passarinho, ela se expandiu. Tratava os carregadores com festiva intimidade. Dizia para um e outro, com uma desenvoltura plebéia: - Põe isso aqui, velhinho! Soltava grandes gargalhadas. Enfim, foi quase um escândalo. D. Edgardina, quando o marido chegou, fez cara de nojo; suspirou: - Gentinha!
Jararaca
No dia seguinte, estourou a bomba: a nova vizinha era uma fulana assim, assim. Por outras palavras: “Não era séria”. Foi D. Edigardina quem deu o alarme e pôs as famílias em polvorosa. Perguntaram: “Batata?” Confirmou, numa ênfase esmagadora: “Palavra de honra!” Houve quem dissesse: “Logo vi!” D. Edgardina, no entusiasmo da novidade, dramatizava: - Profissional, no duro! – e, pigarreava, para acrescentar o detalhe definitivo: - E de janela! - Credo! A partir de então, D. Edigardina se incumbiu de promover a sistemática difamação; e, assim, foi revelando a idade, os endereços anteriores, os escândalos. E, uma manhã, surgiu triunfante, com um recorte de jornal; chamou, pelo telefone, as