Meu dom quixote
Pergunto isso porque sempre identifico, nas minhas “reparações” pelo mundo cotidiano, meu e do alheio, um problema de escalação do grande elenco. Explico: o que será dos pacientes de uma enfermeira que quer ser coveira? Vai sonhar, coitada, com pacientes mortos etc. Se uma enfermeira tem dentro do peito a bondade altruísta, a compaixão pelo outro, o respeito por sua dor e sua doença, e competência em conhecimento e técnica, ingredientes sem os quais não se tem uma boa profissional da cura, os cuidados dessa enfermeira provavelmente não matarão. Ao contrário, seus cuidados curam, apoiam, consolam e até “renascem” enfermos. Nós, os que sempre precisamos do serviço do outro, dos desconhecidos de confiança, que nos socorrem, nos operam nas emergências, nos salvam dos incêndios, e para nós cozinham, costuram, fabricam. Estamos expostos à competência e à incompetência alheia. Por isso, é bom para a humanidade que cada “ator” esteja bem escalado dentro do seu campo amoroso de atuação. Um profissional que tem inclinação para fazer o que faz não sofre ao realizar sua tarefa. Gosta dela, fica horas dedicado àquela arte. Sua arte única de pescar, de dirigir, de arquitetar, construir, enfeitar, cerzir, encanar, bordar. É isso aí. O mundo é o brinquedo dos adultos, e não é bom, para a brincadeira, quem não gosta de brincar.
Em inglês, a palavra correspondente é gift, que quer dizer talento, e também presente. O dom é, portanto, uma inclinação, uma fácil habilidade com a qual nascemos e dela somos ricos. Desta natureza somos potentes, possuímos inclinação, atração e disposição para aquela tarefa. Minha mãe dizia que, quanto mais dons possui o indivíduo, mais trabalho terá na vida, pois se faz necessário corresponder a cada dom. Estar à altura dele em dedicação e amor.
Comparo esta estranha força à uma fonte nascida dentro de nós, que precisa de