Manuel Rui
De meus antepassados não recordo mas invento em cada pedra colocada em praças por seus braços noutros braços onde pombas poisam e turistas fazem souvenirs de sol e manuelinos
E pátrias não conheço
Assisto aos exercícios outonais da morte sem idade do cremar olhos na distância por noivas adiadas e mãos correndo terços de velhas esperando a morte simplesmente
E deuses não conheço
Não fui navegador embora me quisessem em vários continentes em que sempre estive e disse nunca para que naufragasse minha história com o peso das grilhetas amarrado aos oceanos
E epitáfios não conheço
O que ergueram meus braços não está em África a minha música não está em África a minha estatuária não está em África idem para o meu marfim as minhas lanças os meus diamantes o meu ouro idem idem
O poema “Museu”, de Manuel Rui, tem como tema o continente africano e sua respectiva história de exploração. A primeira estrofe, iniciada pela frase “De meus antepassados não recordo”, faz alusão ao genocídio sofrido pelo povo africano. O eu-lírico não se recorda da sua história, de seus heróis, pois não teve meios de documenta-la, conta-la a partir de seu ponto de visto. A primeira estrofe, dessa maneira, aponta a falta de unidade ou até mesmo de identidade entre os irmãos de continente como uma consequência da exploração sofrida. Ainda é tema da primeira estrofe a única herança permitida aos escravos deixar: monumentos construídos por meio da força braçal. As praças e suas pedras, as ruas e seus paralelepípedos, tornaram-se as lembranças das várias nações de uma cor só.
A segunda estrofe dá continuação à ideia de opressão negra. Entretanto, aqui fala-se como ela foi sentida, vivida na época: “e mãos correndo terços de velhas esperando a morte simplesmente”. As condições de sobrevivência, a tristeza de se estar longe (“olhos na distância por noivas adiadas”), a falta de pátria faz com que o africano traficado anseie