livro Microfísica do Poder- Foucault
Alexandre Fontana:
Você poderia esboçar brevemente o trajeto que o levou de seu trabalho sobre a loucura na idade clássica ao estudo da criminalidade e da delinqüência?
Michel Foucault:
Quando fiz meus estudos, por volta dos anos 50−55, um dos problemas que se colocava era o do estatuto político da ciência e as funções ideológicas que podia veicular. Não era exatamente o problema Lyssenko que dominava, mas creio que em torno deste caso escandaloso, que durante tanto tempo foi dissimulado e cuidadosamente escondido, apareceu uma série de questões interessantes. Duas palavras podem resumi−las: poder e saber. Creio haver escrito a História da
Loucura dentro deste contexto. Para mim, tratava−se de dizer o seguinte: se perguntarmos a uma ciência como a física teórica ou a química orgânica quais as suas relações com as estruturas políticas e econômicas da sociedade, não estaremos colocando um problema muito complicado?
Não será muito grande a exigência para uma explicação possível? Se, em contrapartida, tomarmos um, saber como a psiquiatria, não será a questão muito mais fácil de ser resolvida porque o perfil epistemológico da psiquiatria é pouco definido, e porque a prática psiquiátrica está ligada a uma série de instituições, de exigências econômicas imediatas e de urgências políticas de regulamentações sociais? No caso de uma ciência tão "duvidosa" como a psiquiatria, não poderíamos apreender de forma mais precisa o entrelaçamento dos efeitos de poder e de saber?
No Nascimento da Clínica, foi a mesma questão que quis colocar a respeito da medicina. Ela certamente possui uma estrutura muito mais sólida do que a psiquiatria, mas também está enraizada profundamente nas estruturas sociais. O que me "desconcertou" um pouco, na época, foi o fato de que esta questão que eu me colocava não interessou em absoluto aqueles para quem eu a colocava. Consideraram que era um problema politicamente sem importância, e epistemologicamente sem