FSBA Atividade Leitura E Escrita
Folha de São Paulo, 20/02/2014
Querem saber se acho que o Brasil melhorou desde os anos 1980. Se estou de bom humor, digo que sim: falo da época em que o telefone era imóvel para investimento, a inflação transformava qualquer crédito em usura, carro usado custava mais que carro novo e comprar um notebook significava "conversar" com um comissário da Varig, para que ele trouxesse o aparelho de Miami. Se estou de mau humor, digo que não: falo de nossos estudantes que se perdem no ranking internacional, da mediocridade de grande parte da classe política, da vagarosidade dos serviços básicos e, enfim, da produtividade pífia, da ganância e da corrupção, que tornam absurdamente caro tudo o que é nacional.
Seja qual for o humor, lembro que, nas últimas décadas, diminuiu substancialmente a percentagem dos excluídos, ou seja, diminuiu aquela miséria que situa alguém num barco à parte, na deriva e sem relação com o rumo comum. Mas logo paro: será que, ao longo dessas décadas, constituiu-se um rumo comum? Diminuiu a exclusão, diz-se, mas será que passou a existir uma comunidade na qual seja possível e valha a pena sentir-se incluído? Será que existe, no Brasil, o sentimento de uma comunidade de destino, passado e futuro? Será que o Brasil, como nação, existe dentro de nós que aqui vivemos?
Na noite de 31/1, no Rio de Janeiro, um garoto de rua foi encontrado nu, preso a um poste com uma trava de bicicleta no pescoço. Ele foi seviciado por uma turma de motoqueiros vigilantes. O garoto, nas fotografias, parece um filhote esgarrado; mas cuidado com a ternura: se você o encontrasse livre, com os amigos dele, no escuro do aterro do Flamengo, você procuraria ansiosamente as luzes de uma viatura. Por outro lado, provavelmente, o bando que o prendeu lhe inspiraria um medo análogo, se não pior. Enfim, alguns se indignaram pela ação dos vigilantes. Outros felicitaram os vigilantes, conclamando que está na hora de os cidadãos de bem reagirem. Na Folha (pág. 3, 11