Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo
Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo1
GLORIA ANZALDÚA2
21 de maio de 1980
Queridas mulheres de cor, companheiras no escrever
Sento-me aqui, nua ao sol, máquina de escrever sobre as pernas, procurando imaginá-las. Mulher negra, junto a uma escrivaninha no quinto andar de algum prédio em Nova Iorque. Sentada em uma varanda, no sul do Texas, uma chicana abana os mosquitos e o ar quente, tentando reacender as chamas latentes da escrita. Mulher índia, caminhando para a escola ou trabalho, lamentando a falta de tempo para tecer a escrita em sua vida.
Asiático-americana, lésbica, mãe solteira, arrastada em todas as direções por crianças, amante ou ex-marido, e a escrita.
1. P ublicado originalmente em A NZALDÚA , 1981.
Reproduzido aqui com a permissão da autora.
2. Filha de camponeses do sul do Texas, que tiveram suas famílias separadas por uma fronteira imposta,
Anzaldúa fazia da leitura o descanso de suas jornadas de trabalho nas plantações. Ativista desde jovem, nos anos 1950 participou dos protestos de camponeses do sul do Texas. No fim dos anos 1960 e início dos anos
1970, teve contato com a literatura feminista, mas é nos anos 1970 que inicia sua produção literária, quando escreve peças de teatro, poemas, contos, romances e autobiografias. No começo dos anos 1980 defende a posição de que as mulheres de cor deveriam buscar meios para expressar suas idéias, transformando-se em criadoras de suas teorias e não mais em meros objetos de estudo. Publicamos este ensaio, inédito em português, em homenagem aos vinte anos da antologia This bridge called my back (MORAGA & ANZALDÚA, 1981) que foi uma das referências obrigatórias nos debates sobre diferença dentro do feminismo norte-americano dos anos 1980
(NT).
Não é fácil escrever esta carta.
Começou como um poema, um longo poema. Tentei transformá-la em um ensaio, mas o resultado ficou áspero, frio. Ainda não desaprendi as tolices