Contos - hermann hesse
1. o Demônio do Campo
Na época em que, no Egito, o paganismo decadente cedia cada vez mais terreno à nova doutrina e floresciam nas cidades e mais h umildes lugarejos inúmeras congregações cristãs, os antigos demônios viam-se forçados a retirar-se mais e mais para o deserto tebano. Era um vasto ermo então completamente desabitado, pois os devotos penitentes e os eremitas ainda não se atreviam a penetrar nessa perigosa região e preferiam viver, fechados a toda comunicação com o mundo, em pequenos hortos ou palheiros vizinhos das aldeias ou para além das grandes cidades. Assim, esse grande deserto estava completamente à disposição de Belzebu, com seu exército e séquito, pois as únicas criaturas que lá habitavam eram as feras e uma infinidade de vermes e répteis venenosos. A elas se j untavam agora — desalojados de toda a parte pelos santos e penitentes — os demônios superiores e os diabos inferiores, assim como t odos os seres pagãos e heréticos. Entre estes havia os sátiros ou
f aunos, chamados demônios do campo ou silvanos, os unicornes e c entauros, os druidas e muitos outros espíritos; pois Belzebu exercia poder sobre todos eles e era tido como certo que, tanto pela sua o rigem pagã como pela conformação meio animal, eram desprezados por Deus e não podiam jamais aspirar à sua glória.
E ntre esses homens-animais e ídolos pagãos derrubados nem t odos eram maus; alguns só a contragosto se submetiam a Belzebu.
O utros, porém, obedeciam-lhe com prazer e, em sua raiva, comportavam-se de maneira muito diabólica, visto não saberem por que m otivo haviam sido expulsos de sua anterior existência, tranqüila e i nofensiva, e empurrados para o seio das criaturas desprezadas, perseguidas e maldosas. Segundo as crônicas da vida do saudoso e remita Paulo e as notícias de Atanásio sobre o santo frade Antônio, parece que os centauros eram seres hostis e malignos mas os sátiros ou demônios do campo eram, até certo ponto, pacíficos e