Comentário ao Livro do Desassossego - Fernando Pessoa
"A literatura é a maneira mais agradável de ignorar a vida." Há que se concordar e discordar com este excerto de Fernando Pessoa. Por um lado, face ao eufemismo evidente, é sem dúvida a forma mais “agradável” de se ignorar a vida ou seja a nossa vida, as 24 horas que nos pertencem. Mas é a decisão que fazemos na nossa vida que nos permite abrir a porta da literatura, que nos permite entrar em outros mundos, conhecer novos sítios, novas pessoas e até novos ideais. É só deixar a imaginação fluir. É abrir a porta e permitir que fujamos à realidade das nossas vidas cruéis, ou pelo menos assim pensamos quando nos deparamos com o desenrolar das peripécias de personagens, com os seus actos e feitos ao invés de nos preocuparmos com as nossas vidas. É mostrar-nos realidades às quais por vezes não estamos preparados para imaginar ou partirmos do princípio que não aceitamos as possibilidades retratadas nas páginas de um livro. Não ignoramos a nossa vida por completo. Por vezes entregamos a nossa vida por demasiado tempo a uma página, um livro, uma história que perdemos noção de tempo ou espaço. É viajar sem sair do mesmo sítio, sentir sensações nunca antes vivenciadas, obrigar-nos a pensar e reflectir. A nossa vida acaba por se reflectir na literatura ao mesmo tempo que a literatura se reflecte na nossa vida. Já Thoreau dizia que “muitos homens iniciaram uma nova era na sua vida a partir da leitura de um livro.”. A cada dia que passa uma nova era inicia-se na vida de muitos.