Colet Nea De Poemas
Cecília Meireles
A raiz era a escrava,
Descabelada negrinha
Que dia e noite ia e vinha
E para a flor trabalhava.
E a árvore foi tão bela!
Como um palácio. E o vento
Pediu em casamento
A grande flor amarela.
Mas a festa tão breve,
Pois era um vento tão forte
Que em vez de amor trouxe morte
À airosa flor tão leve.
E a raiz suspirava
Com muito sentimento.
Seu trabalho onde estava?
Todo perdido com o vento.
A Balada do Surfista Dourado
Luís Fernando Verissimo
Esta é a balada do Surfista Dourado
Que com a prancha emborcada e sentado no chão
Ainda ontem, na praia, pensou desolado:
A vida continua depois do verão...
Este ano o seu pai já lançou um ultimato.
Vai acabar esta sopa, este doce far-niente
Vais ter que escolher, senão eu te mato:
Ou voltar a estudar ou pegar no batente.
E diante deste futuro hediondo
Ele teve uma ideia de engenheiro de NASA.
Ora, pensou, o mundo ainda é redondo
E há mais de um jeito de voltar para casa.
E correu para o mar, e nadou para o Oriente
E aos gritos de “Volta! Maluco! Pirado!
Tens que vir pra Porto Alegre com a gente!”
Respondeu “Chego lá, algum dia, e pelo outro lado!”
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Luís de Camões
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança;
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem, se algum houve, as saudades.
O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.
E, afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto:
Que não se muda já como soía.
Ou Isto ou Aquilo
Cecília Meireles
Ou se tem chuva e não se tem sol
Ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
Ou se põe o anel, e não se se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.