cenas 1 e 2 peça Toni
Cena 1
(Camarim empoeirado.)
G- Minha querida, vamos acordar. Dormir de boca aberta, ao lado dessa poça de saliva, não é exatamente uma coisa bonita de se ver.
W- Que horas são?
G- Calma, ainda temos tempo para certos cuidados de toillet.
W- Tenho me sentido exausta ultimamente.
G- Imagina se a apresentação começa... e você com esse rosto sem vida. Onde está a pigmentação rósea
W- Que pigmentação?
G- A pigmentação rósea tão comum aos artistas do palco?
W- Você acha que eu estou doente?
G- Claro que não.
W- Estou tão exausta.
G- As verdadeiras cantoras francesas jamais entram em cena sem o rubor do cabaré!
W- Nós não somos francesas.
G- Somos francesas! Antes de sermos seres humanos, somos francesas!
W- Você nasceu em Santana do Parnaíba.
G- Isso, ninguém precisa saber! O fundamental não é nascer na França; é parecer francesa... civilizada... sem o suor dessa terra de selvagens; o fundamental é ter o trato social de uma madmoiselle, com um olhar que só o tipo de gente que fez revolução de dia e usou o bidê à noite pode ter. Para ser francesa não basta ter nascido na frança; não basta ignorar a depilação; é preciso mais, muito mais, mon amour. Um dia você vai sentir no âmago o que é ser uma verdadeira francesa. Enquanto isso, se o rubor não lhe é natural, apela-se para os beliscões.
W- Nasceu em Santana do Parnaíba e não importa quantas vezes ensaie esse sotaque, vai morrer como uma filha da sua terra.
G- É melhor não mexer comigo, cheri
W- ... de pisar na terra descalça, tem a sola do pé vermelha.
G- Às vezes os beliscões não bastam; tem certo tipo de pele que, para resplandecer, pede uns tapas.
W- Esse não me parece o comportamento de uma madmoiselle.
G- ...é claro que não. Convenhamos, minha querida, nunca foi grande coisa sem a maquiagem... e... já que Deus lhe fez com essa expressão de além-túmulo, agradeça que a humanidade inventou o cosmético para compensar a falta de melanina. Não consigo