CANTIGAS PARA NÃO MORRER
Quando você for se embora, moça branca como a neve, me leve.
Se acaso você não possa me carregar pela mão, menina branca de neve, me leve no coração.
Se no coração não possa por acaso me levar, moça de sonho e de neve, me leve no seu lembrar.
E se aí também não possa por tanta coisa que leve já viva em seu pensamento, menina branca de neve, me leve no esquecimento.
Ferreira Gullar. De Dentro da Noite Veloz (1962-1975)
Esse é um poema do Gullar que já me agradou logo de cara, mesmo antes de pensar sobre ele. O título já nos remete às cantigas de amor medievais. E é um título curioso. Abre espaço para três interpretações ao menos.
Deseja-se que a cantiga seja eterna e não morra nunca? Pode ser. Nós passamos pelo mundo, mas a escrita permanece. Trata-se, portanto, da crença no valor e no poder da palavra escrita, capaz de tocar e emocionar. Que sobrevive a nós todos.
Ou, então, poderíamos ter aqui a elipse de um pronome pessoal: "cantiga para 'eu' não morrer". Se, antes, o verbo ligava-se à "cantiga", agora refere-se a um "eu". Embora essa visão pareça resgatar a idéia anterior, o ponto de vista torna-se mais subjetivo. A literatura é uma das maneiras possíveis de se enganar a morte. Por meio dos nossos escritos, continuamos a viver, mesmo depois de partirmos. George Whasington já dizia que, antes de morrer, o homem deveria plantar uma árvore, ter um filho e... escrever um livro. Ora, todas as opções dão essa ilusão de imortalidade e são extensões de nós mesmos depois do grande mergulho nas trevas. É uma forma de eu deixar minha marca no mundo.
Podemos entender, ainda, o poema como um desabafo. A tentativa de exprimir um estado d'alma, que é o fundamento de toda a lírica. "Morrer" pediria um complemento implícito. "Faço essa cantiga para não me perder; para não morrer de amor, de saudade ou de tristeza". A morte está aqui presente na partida da mulher amada, que é dada como certa. Note que ele não diz "Se você