ArnaldoAntunes
Arnaldo Antunes
20/03/2002
Arte do desenho manual das letras e palavras. Território híbrido entre os códigos verbal e visual. — O que se vê contagia o que se lê.
Das inscrições rupestres pré-históricas às vanguardas artísticas do século XX. Sofisticadamente desenvolvida durante milênios pelas tradições chinesa, japonesa, egípcia, árabe. Com lápis, pena, pincel, caneta, mouse ou raio laser. — O que se vê transforma o que se lê. A caligrafia está para a escrita como a voz está para a fala. A cor, o comprimento e espessura das linhas, a curvatura, a disposição espacial, a velocidade, o ângulo de inclinação dos traços da escrita correspondem a timbre, ritmo, tom, cadência, melodia do discurso falado. Entonação gráfica. Tais recursos constituem uma linguagem que associa características construtivistas (organização gráfica das palavras na página) a uma intuição orgânica, orientada pelos impulsos do corpo que a produz. Assim como a voz apresenta a efetivação física do discurso (o ar nos pulmões, a contração do abdómen, a vibração das cordas vocais, os movimentos da língua), a caligrafia também está intimamente ligada ao corpo, pois carrega em si os sinais de maior força ou delicadeza, rapidez ou lentidão, brutalidade ou leveza do momento de sua feitura.
A irregularidade do traço denuncia o tremor da mão. O arco de abertura do braço fica subentendido na curva da linha. O escorrido da tinta e a forma de sua aborção pelo papel indicam velocidade. A variação da espessura do traço marca a pressão imprimida contra o papel. As gotas de tinta assinalam a indecisão ou precipitação do pincel no ar. Rastos de gestos. A própria existência de um saber como o da grafologia, independentemente de sua finalidade interpretativa sobre a personalidade de quem escreve, aponta para a relevância que podem ter os aspectos formais que, muitas vezes inconscientemente, constituem a "letra" de uma pessoa.
O atrito entre o o sentido convencional das palavras (tal como estão no