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André Luiz Barros da Silva
A “Advertência”, que abre o romance Memorial de Aires, de Machado de Assis, publicado em 1908, traz pistas sobre um aspecto que acreditamos ser crucial para o entendimento de algumas das sutis estratégias de escrita do autor nesse seu último romance. Ali se pode ler:
“Tratando-se agora de imprimir o Memorial, achou-se que a parte relativa a uns dois anos (1888-1889), se for decotada de algumas circunstâncias, anedotas, descrições e reflexões, – pode dar uma narração seguida, que talvez interesse, apesar da forma de diário que tem”.1
E, a bem da análise das pistas e dos “despistares” característicos da prosa do autor, o trecho assim se completa: “Vai como estava, mas desbastada e estreita, conservando só o que liga o mesmo assunto. O resto aparecerá um dia, se aparecer algum dia”2.
Pretendemos mostrar, no presente trabalho, como o jogo entre dar pistas e despistar ou, dito de outra forma, o fino jogo entre mostrar ao leitor e dele ocultar (sejam conteúdos, sejam funções estruturais) é não apenas referido pelo autor desde a “Advertência”, como também reiterado inúmeras vezes ao longo do romance, indício de sua importância estrutural e estruturante na obra. Tentaremos mostrar em que consiste esse sutil “jogo de esconde-esconde” da narrativa com o leitor, estratégia que valoriza o “desbaste”, o “corte” (uma concisão feita de ocultamentos voluntários), bem como o sentido obtuso, transverso, figurando o que se exclui deliberadamente da narrativa (bem como da fala cotidiana das personagens), mas, paradoxalmente, dota-a de uma complexidade potencial e misteriosa3.
Tentaremos mostrar, também, como essa estratégia inusitada pode se explicar pelo caráter experimental da narrativa do autor, que toma como desafio compor um romance-diário, o que em si constitui uma contradição; pois diários costumam ser escritos para “leitor nenhum”, ou apenas para o próprio autor ler no futuro (ou, no