AGFM
A guerra do fim do mundo
Seix Barral
R.B.A Projetos Editoriais S.A
Summa Literária 5
Ao Euclides da Cunha no outro mundo; e, neste mundo, a Nélida Pinhão
O Anti-Christo nasceu
Para o Brasil governar
Mas aí está O Conselheiro
Para dele nos livrar
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I
O homem era alto e tão fraco que parecia sempre de perfil. Sua pele era escura, seus ossos proeminentes e seus olhos ardiam com fogo perpétuo. Calçava sandálias de pastor e a túnica morada que lhe caía sobre o corpo recordava o hábito desses missionários que, de quando em quando, visitavam os povos do sertão batizando multidões de meninos e casando aos casais amancebados. Era impossível saber sua idade, sua procedência, sua história, mas algo havia em sua cara tranqüila, em seus costumes frugais, em sua imperturbável seriedade que, até antes de que desse conselhos, atraía às pessoas.
Aparecia de improviso, ao princípio sozinho, sempre a pé, coberto pelo pó do caminho, cada certo número de semanas, de meses. Sua larga silhueta se recortava na luz crepuscular ou nascente, enquanto cruzava a única rua do povoado, os grandes limiares, com uma espécie de urgência. Avançava resolutamente entre cabras que balançavam os sinos, entre cães e meninos que lhe abriam passagem e o olhavam com curiosidade, sem responder às saudações das mulheres que já o conheciam e lhe faziam vênias e se apressavam a lhe trazer jarras de leite de cabra e pratos de farinha e feijão. Mas ele não comia nem bebia antes de chegar até a igreja do povo e comprovar, uma vez mais, uma e cem vezes, que estava rota, despintada, com suas torres truncas e suas paredes furadas e seus chãos levantados e seus altares roídos pelos vermes. Entristecia-lhe a cara com uma dor de retirante ao que a seca matou filhos e animais; privado de bens, abandonou sua casa, os ossos de seus mortos, para fugir, fugir, sem saber aonde. Às vezes chorava e no pranto o fogo negro de