a02 t09 Sou Humano
Claudia Werneck*
De que modo se sente uma pessoa quando o mundo não reconhece como humano o seu modo de falar, de se expressar, de andar, de se locomover, de ver, de não ver? Que tipo de olhar somos capazes de enviar a alguém quando notamos, em qualquer parte de seu corpo, algo que imediatamente desencadeia em nossas mentes um processo para ressignificá-los, para rever seu valor humano e, na sequência, atribuir-lhe um valor de "menos humano"?
Pode ser uma prótese no lugar do olho, um braço que não existe mais, a mancha grande e cabeluda na face. O quanto revela de nós esse olhar, ao outro, que ao mesmo tempo é analítico, julgador e envergonhado? Envergonhado porque tenta apagar vestígios do obscuro ritual que se passa em nosso íntimo. Não que esse processo de avaliar quem é mais humano ou menos humano, mais normal ou menos normal, seja consciente, mas o constrangimento que ele naturalmente gera, sim. O constrangimento reflete uma verdade pouco nobre e bem escondida: somos educados para acreditar que existe uma hierarquia entre condições humanas.
Seríamos então um composto de percentuais variados de humanidade e devemos lidar com esta informação sem traumas? Bebês nascidos com síndromes genéticas são menos humanos do que outros cujos cromossomos estão em número e tamanho
"corretos"? Alguém sem pernas é apenas 60% humano? Idosos com doenças neurológicas degenerativas perdem a cada dia sua humanidade a ponto de se tornarem girafas, moscas, plantas carnívoras? Uma pessoa cega seria menos gente se analisada sob um hipotético "Quadro Classificatório de Condições Humanas"? Jovens surdos, principalmente aqueles que se expressam unicamente pela Libras, a língua de sinais brasileira, têm menos valor humano do que os demais, jovens ouvintes que falam apenas o português?
Embora a tendência seja a de responder um NÃO categórico e ofendido a essas perguntas, nossas práticas diárias denunciam o contrário. Refiro-me a formas sutis de discriminação que, mesmo com o