45º Oeste 60º Norte – Experimentação com a Rosa das Línguas
Para a árvore de olhos vermelhos pequenos como cerejas, porque de certa distância tinham a intenção de parecerem cerejas, penduradas na parede, ela ria e assim contava a falta de nexo do dia que foi seu (não podia esquecer do possessivo). Correu ao banco, descabelada pelas escadas, guardou o documento de identidade na bolsa sem ver que era falsa a sensação da mão entrando pelo pano. Caiu o documento na escada e por lá ficou, voou, escorregou e ela ficou sem (não poderia esquecer outra vez do possessivo). Só um xérox mal tirado de uma cara que não era mais sua há tanto tempo, de um cabelo falso como os aparelhos nos dentes, tudo isso mais a companhia dos nomes de pessoas pras quais lhe atribuíam o nascimento, e esses eram fatos e imagens tão alheias quanto o homem fumando na ponta superior da escada do banco ou a velha de blusa roxa que descia e encontrou, com força, com seu ombro apressado. A velha talvez tivesse visto o documento cair quando achou que o tinha bem guardado na falta de ordem segura da bolsa que nunca tinha falhado. Talvez mesmo tivesse olhado pra ela que subia e quisesse fazer algum sinal, que depois de encontrar com a indiferença de um ombro nu pela manga caída da blusa preta, não lhe dispensou em absoluto o esforço de um chamamento.
O amor é mais forte que a morte vocês diziam
Mas a vida é mais forte que o amor e
Depois da volta, na casa, na noite que vinha escondida pelas cortinas, ela viu a sombra de um caminho estranho entre os móveis de neblina azul. As sombras moventes de um caminho serpenteando em agonia de cobra cortada. Movimentos rápidos, curtos. Abria e fechava as pernas porque deitada precisava de movimento de asas de carne branca que fizessem algum barulho de vento correndo. Precisava correr algumas distâncias. E corria. Ainda ria da árvore-folon e do dia, e da vida das coisas, e sentia presente a mão de dedos-dentes que apertava seu quadril na subida dos