É O CONHECIMENTO PERIGOSO?
FRONTEIRAS ENTRE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E ÉTICA.
1 As feridas da modernidade e a anticiência
O traço mais profundo e mais perturbador de nossa época é a dissociação de fato e valor, ser e dever ser, ou física e ética, conhecimento da realidade e atribuição de sentido à vida. As ciências descrevem e conhecem o mundo tal qual é, mas calam sobre as angústias humanas, tornando o homem praticamente um acidente no cosmo. Despertando de seu sonho milenar, como diz o biólogo Monod, o ser humano agora:
"...sabe que, como um cigano, está à margem do Universo onde deve viver. Um Universo surdo à sua música, indiferente às suas esperanças, como a seus sofrimentos ou a seus crimes”.(...) “Ele sabe que está sozinho na imensidão indiferente do Universo, de onde emergiu por acaso. Não mais do que seu destino, seu dever não está escrito em lugar algum..."
Através da ciência, a modernidade rompeu a aliança animística entre homem e Natureza, calcada exatamente na identificação de fato e valor - fundamento da visão antropocêntrica do mundo. A cosmologia medieval (aristotélico-cristã) realizava a coincidência plena disso que, para nós, é dividido: conhecimento da realidade e compreensão do sentido da nossa vida – sua destinação ou valor – eram uma só coisa. Por mais de dois mil anos, a metafísica (o nome remete, como se sabe, ao conhecimento do transcendente ou do supra-sensível) sustentou a separação entre mundo terrestre e mundo celeste: embaixo, o reino do efêmero, do nascer e do perecer; no alto, com suas esferas perfeitas, o reino do divino, do incorruptível, do eterno, do verdadeiro Ser. Os níveis de realidade exprimem ao mesmo tempo uma hierarquia de valores. A Terra, no centro, é o palco em que se desenrola o drama humano, em vista do qual o próprio cosmo foi criado.
A modernidade rompe essa imagem. A revolução astronômica explode esse cosmo finito e fechado, revelando um universo de proporções ilimitadas. A Terra já não é mais o