Índios Misturados
Antes do final do século XIX já não se falava mais em povos e culturas indígenas no Nordeste. Destituídos de seus antigos territórios, não são mais reconhecidos como coletividades, mas referidos individualmente como "remanescentes" ou "descendentes". São os "índios misturados" de que falam as autoridades, a população regional e eles próprios.
O segundo movimento de territorialização tem início na década de 20, quando o governo de Pernambuco reconheceu as terras doadas ao antigo aldeamento missionário de Ipanema (1705), passando-as ao controle do órgão indigenista "para que nela resida[issem] os descendentes dos Carnijos" até que pudessem ser liberados dessa tutela. O processo de territorialização operou como um mecanismo antiassimilacionista (vide Cardoso de Oliveira 1972), criando condições supostamente "naturais" e adequadas de afirmação de uma cultura diferenciadora, e instaurando a população tutelada como um objeto demarcado cultural e territorialmente.
Em linhas gerais, esse processo de territorialização trouxe consigo a imposição de instituições e crenças características de um modo de vida próprio aos índios que habitam as reservas indígenas e são objeto, com maior grau de compulsão, do exercício paternalista da tutela.
O patrimônio cultural dos povos indígenas do Nordeste, afetados por um processo de territorialização há mais de dois séculos, e depois submetidos a fortes pressões no sentido de uma assimilação quase compulsória, está necessariamente marcado por diferentes "fluxos" e "tradições" culturais (Hannerz 1997; Barth 1988).
Mas a política indigenista oficial exige demarcar descontinuidades culturais em face dos regionais, e assim o processo de territorialização ganha características bem distintas do que ocorreu nas missões religiosas e não deve jamais ser entendido simplesmente como de mão única, dirigido externamente e homogeneizador, pois a sua atualização pelos indígenas conduz justamente ao contrário, isto é, à construção