Ética a nicômaco
No que toca à justiça e à injustiça devemos considerar: (1) com que espécie de ações se relacionam elas; (2) que espécie de meio-termo é a justiça; e (3) entre que extremos o ato justo é intermediário. Nossa investigação se processará dentro das mesmas linhas que as anteriores. Vemos que todos os homens entendem por justiça aquela disposição de caráter que torna as pessoas propensas a fazer o que é justo, que as faz agir justamente e desejar o que é justo; e do mesmo modo, por injustiça se entende a disposição que as leva a agir injustamente e a desejar o que é injusto. Também nós, portanto, assentaremos isso como base geral. Porque as mesmas coisas não são verdadeiras tanto das ciências e faculdades como das disposições de caráter. Considera-se que uma faculdade ou ciência, que é uma I e a mesma coisa, se relaciona com objetos contrários, mas uma disposição de caráter, que é um de dois contrários, não produz resultados opostos. Por exemplo: em razão da saúde não fazemos o que é contrário à saúde, mas só o que é saudável, pois dizemos que um homem caminha de modo saudável quando caminha como o faria um homem que gozasse saúde.
Ora, muitas vezes um estado é reconhecido pelo seu contrário, e não menos freqüentemente os estados são reconhecidos pelos sujeitos que os manifestam; porque, (a) quando conhecemos a boa condição, a má condição também se nos torna conhecida; e (b) a boa condição é conhecida pelas coisas que se acham em boa condição, e as segundas pela primeira. Se a boa condição for a rijeza de carnes, é necessário não só que a má condição seja a carne flácida, como que o saudável seja aquilo que torna rijas as carnes. E segue-se, de modo geral, que, se um dos contrários for ambíguo, o outro também o será; por exemplo, se o "justo" o é, também o será o "injusto".
Ora, "justiça" e "injustiça" parecem ser termos ambíguos, mas, como os seus diferentes significados se aproximam uns dos outros, a ambigüidade escapa à atenção e não é