Ética pós-moralista
-Durante quase dois séculos, as sociedades democráticas fizeram resplandecer a palavra do “tu deves”. A dura exigência de se dominar a si próprio, exaltando os valores de abnegação. Essa fase das sociedades modernas chegou ao fim.
-A partir de meados do século XX, tem lugar uma nova disposição social de valores morais, que já não se apóia naquilo que constituía a força principal do ciclo anterior: o culto do dever.
O dever antes se escrevia em letras maiúsculas, hoje nós o miniaturizamo. Era severo, nós organizamos espetáculos recreativos. Ordenava a submissão incondicional do desejo à lei, nós o reconciliamos com o prazer e o serf-interest.
-O “é preciso” cedeu lugar ao encanto da felicidade; a obrigação categórica cedeu lugar à estimulação dos sentidos. A retórica do dever já não reside mais no coração da nossa cultura, nós a substituímos pela solicitação do desejo, pelos conselhos do foro psicológico, pelas promessas de felicidade e de liberdade aqui e agora.
-A cultura sacrificial do dever morreu. Entramos no período pós-moralistas das democracias.
-Nas sociedades pós-moralistas há um clamor por ética. Mas não nos deixemos enganar. Aquilo a que se chama o “regresso da moral”, não retoma a religião tradicional do dever. A busca de ética atual não é um regresso à casa paterna.
-Estamos desejosos de regras justas e equilibradas, mas não de renúncia a nós mesmos; queremos regulações e não sermões; apelamos à responsabilidade, mas não à obrigação de consagrar integralmente a nossa vida ao próximo, á família ou á nação.
-Para além da revolta ética atual, a cultura do dever prossegue o seu caminho em benefício dos valores individualistas e eudemonistas. São os direitos subjetivos, a qualidade de vida e a realização pessoal que orientam a nossa cultura, e não o imperativo da virtude.
-A sociedade pós-moralista designa uma época em que o dever é relativizado e anemiado; em que a idéia de sacrifício de si próprio está