Ética do desejo
Doris Rinaldi
Desde o início de sua elaboração, Lacan., ao referir-se à experiência psicanalítica, enfatizou o seu caráter triangular, em uma crítica direta aos pós-freudianos que empreenderam uma redução egoicista da prática psicanalítica, concebendo-a como uma relação dual. Ao longo de seu percurso, ao se perguntar sobre a estrutura da ação analítica, ele vai destacar a importância deste terceiro termo, concebendo-o inicialmente como a ordem da palavra, em seguida como grande Outro, ordem simbólica, lugar das articulações da linguagem e, finalmente, como objeto a, causa de desejo. A despeito das diferenças que essas designações do terceiro comportam, elas apontam para o lugar do inconsciente, erigido por Freud como o terceiro a ser reconhecido na experiência psicanalítica, entre analista e analisante, sem o qual não se poderia falar de psicanálise.
Essas formulações, na medida em que se referem à estrutura da ação analítica, colocam em questão o lugar do analista na condução do tratamento, o que nos remete a uma discussão decisiva para a psicanálise, que diz respeito à ética que preside esta experiência.
No Seminário sobre a Ética da psicanálise (1959-60), Lacan vincula a discussão ética ao enunciado freudiano Wo Es war soll Ich werden, na medida em que ele aponta para emergência do desejo. O que a via aberta por Freud permite enfatizar, no mais alto grau, é a função fecunda do desejo no direcionamento da ação humana. A partir disso, Lacan traz o desejo para o centro do debate ético, afastando-se do caráter prescritivo, em termos de valores e ideais de conduta, que caracteriza a reflexão moralista, seja no campo filosófico, seja no próprio campo psicanalítico. Nesta última perspectiva, a relação do homem com sua ação pressupõe o alcance de algum bem, seja o Supremo Bem aristotélico, sejam o ideais psicanalíticos de “amor genital” ou de “eu autônomo”.
A retomada da descoberta freudiana,