O último círculo
Stella Senra
Mil anos de guerras, mil anos de festas! São os meus votos para os Yanomami. Será uma esperança morta? Temo que sim. Eles são os últimos encurralados. Uma sombra mortal avança de todos os lados… E depois? Talvez nos sintamos melhor depois, uma vez rompido o último círculo desta liberdade derradeira. Quem sabe poderemos dormir sem despertar nenhuma vez… Qualquer dia haverá perto do chabuno torres de poços de petróleo, no flanco das colinas valas de garimpeiros de diamantes, policiais nas entradas e lojas nas margens dos rios… Por toda parte, a harmonia…
Pierre Clastres
“Le Dernier cercle”, Le temps modernes n. 298, 1971.
Como fotógrafa, o nome de Claudia Andujar está para sempre associado ao dos Yanomami. A eles dedicou grande parte de sua obra e de sua vida, sem diferenciar do registro das suas imagens o esforço para defendê-los das terríveis conseqüências do contato com o branco. Se o que confere uma qualidade ímpar a sua experiência é esse duplo comprometimento, a série de fotografias que compõe Marcados pode ser tomada como paradigmática desta intimidade rara entre estética e postura ética que distingue a obra da fotógrafa. Ao mesmo tempo, esse conjunto de fotografias merece destaque por constituir, provavelmente, a mais incisiva abordagem jamais feita por Claudia da delicada questão do contato.
O trabalho é composto por uma série de fotos de índios yanomami realizadas entre 1981 e 1983, por ocasião da viagem de um grupo de trabalho que contou com a presença de Claudia Andujar, dos médicos Dr. Rubens Brando e Dr. Francisco Pascalichio[1]. O objetivo era fazer um levantamento da situação e da saúde de todos os grupos em contato com o branco – tarefa que tinha como exigência inicial a identificação de toda a população visada – além de coletar dados para a futura demarcação de seu território. Como os Yanomami não respondem a nome próprio, foi adotado o método consagrado desde o século xix para a identificação dos chamados povos