O índio hiper-real
Como lutar contra a injustiça sem criar injustiça? (Carlos Fuentes) O estopim que deflagrou este artigo foi um episódio que me foi contado em 1990. Trata-se de um encontro malsucedido entre três índios e o representante de uma organização não-governamental em Brasília. Descrevo o ocorrido mais abaixo, pois quero antes definir meu propósito neste trabalho e esclarecer de saída que não se trata de uma denúncia, ou crítica negativa, mas sim de uma tentativa de compreender os rumos que vem tomando a prática do ativismo indigenista na cena brasileira, especialmente na última década. Entenda-se "tentativa" tanto em sua forma substantiva quanto adjetiva, pois, embora fruto de uma observação prolongada e, em grande medida participante, é ainda uma primeira aproximação ao problema, sujeita a modificações que inevitavelmente virão como resultado de reflexões teóricas mais profundas e de experiências empíricas mais diversificadas (1). Tomo por alvo a atividade indigenista secular e não-oficial, isto é, detenho-me especificamente no ativismo leigo que emergiu da chamada sociedade civil; por isso, excluo tanto o indigenismo oficial praticado pelos funcionários da Funai como a importante atuação do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), que, no início dos anos 70, organizou as primeiras assembléias indígenas regionais. Quero, pois, traçar a trajetória de associações laicas, de seus humildes começos à maturidade formal, e o que aconteceu com a figura do "índio" quando as entidades de apoio a sua luta se metamorfosearam em aparatos burocráticos.
Da fase heróica ao fim da communitas A fase contemporânea desse ativismo indigenista "civil" começou, a rigor, em 1978. O gatilho que a detonou foi a ameaça do governo de "emancipar" os índios, isto é, de declará-los não-índios perante a lei e, desse modo, eximir-se do encargo de protegê-los, juntamente com suas tradições, seus usos e costumes