O teste para entrar

J. Rancière parte do paradoxo do espectador, a saber, que não há teatro sem espectador. Interessa então compreender o seu lugar na trama dramática, situá-lo na dinâmica do espectáculo. Os acusadores, como diz, apresentam-no como um mal, assumindo que olhar é o contrário de conhecer e de agir, sendo o olhar do espectador tomado como circunscrito ao domínio da aparência e reduzido à passividade. Daqui duas conclusões se seguem: que o teatro é algo mau, “o lugar onde gente ignorante vê homens que sofrem”[2], como defende Platão, ou então é no espectador que reside o mal. Como reacção a esta concepção de espectador e em busca de um teatro novo que favoreça o surgimento de um novo espectador, surgem, no séc. XX, duas propostas absolutamente diferentes: Para Brecht, é preciso arrancar o espectador “papalvo fascinado pela aparência”[3] à sua situação passiva e forçá-lo a avaliar o que lhe é dado no espectáculo, de maneira a que tome uma posição crítica. O espectador deve abdicar da adesão empática ao espectáculo e “ganhar distância”[4]. O povo deve tomar consciência da sua situação e discutir os seus interesses, o teatro pode conduzir o espectador a um conhecimento crítico da sua situação, deve desencadear o desejo de agir, de transformar, em vez de ficar impávido, rendido aos sentimentos que a forma dramática lhe despertava. Concebe o espectador como uma colectividade que deve tomar consciência de si enquanto classe. Para Artaud, pelo contrário, o espectador nunca perde a condição de observador e deve ser mesmo arrastado para dentro do espaço mágico teatral, abdicando da posição de mero sujeito do olhar, deve misturar-se, deixar-se invadir pela energia vital do teatro e, portanto, deve “perder toda a sua distância”[5]. Em vez de estarem perante um espectáculo, são envolvidos nele, levados para o centro da performance, reforçando a energia colectiva que só o teatro pode avivar. O teatro surge então como uma forma de “ritual purificador no