O tempo livre industrializado
As longas jornadas de trabalho são cada vez mais aceitas na sociedade moderna, criando uma dependência do trabalhador. Caprichosamente articulados, férias e feriados nas empresas têm um intuito certo: deixar os cidadãos apáticos, culpados e cada vez mais ávidos em trabalhar
RENATO NUNES BITTENCOURT É DOUTOR EM FILOSOFIA PELO PPGF-UFRJ, PROFESSOR DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA FACULDADE CCAA, DA FACULDADE DE FLAMA E DO DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DO COLÉGIO PEDRO II. TAMBÉM É MEMBRO DO GRUPO DE PESQUISA SPINOZA E NIETZSCHE
A cultura ocidental tradicionalmente estigmatizou o trabalho como uma atividade degradante para o ser humano, considerando-a indigna de homens livres. Nessa conjuntura, o trabalho era imputado como uma tortura; aliás, a análise etimológica da palavra trabalho indica que esta se origina do termo latino tripalium, um instrumento de suplício. Todavia, essa perspectiva negativa em relação ao trabalho só encontra signi cação na estrutura laboral regida pela relação de dominação entre senhor e submisso, sendo incompatível com a experiência de trabalho na qual o ser humano adquire a capacidade de se realizar existencialmente. Por conseguinte, o materialismo dialético de Marx (1818-1883) explica com precisão esse processo: “Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu próprio câmbio material como uma de suas funções. Põe em movimento as forças naturais de seu corpo – braços e pernas, cabeças e mãos – a m de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modi ca sua própria natureza”¹.
Entretanto, as relações sociais de trabalho se caracterizaram historicamente pela desapropriação dos meios de produção das mãos daquele que representava efetivamente o processo construtivo de criação, o