O sufoco num conto de caio f.
O sufoco num conto de Caio F. Roberto Círio Nogueira 1
Durante a última ditadura brasileira, diversos escritores mantiveram uma tensa relação entre a literatura e a história. Embora motivados a fazer do tempo presente a matéria de sua escrita, encontraram-se fortemente
recalcados pela violenta repressão à linguagem imposta pelos militares. Recorreram então à alegoria, para denunciar de modo mais ou menos cifrado o sentimento de sufoco que o autoritarismo vigente havia implantado. Um caso exemplar é “O ovo”, conto de Caio Fernando Abreu publicado em seu Inventário do irremediável, em 1970. Este livro foi re-editado 25 anos depois, com oito contos a menos e os restantes re-escritos. Seu título também sofreu uma sutil e reveladora transformação, “passando da fatalidade daquele irremediável (algo melancólico e sem saída) para ir-remediável (um trajeto que pode ser consertado?)” (ABREU, 2005, p. 17). Como já notou Valéria Pereira (2008, p. 12), esta mudança denota uma virada otimista – ainda que insegura, eu diria – na visão de mundo de Caio F. Sem dúvida, a segunda versão do título sugere uma distensão difícil de ser vislumbrada na época de sua primeira edição. Entre esta e aquela há um intervalo de duas décadas e meia que separa os tempos sombrios do AI-5 dos primeiros anos de uma nova constitucionalidade democrática. Esse otimismo, contudo, não permeou a revisão de “O ovo”, que permanece uma contundente alegoria da opressão. O conto é uma narrativa de teor memorialista, cujo narrador ressentido e de baixa auto-estima considera que: “Minha vida não daria um romance. Ela é muito pequena.” (ABREU, 2005, p. 39). Propõe então o conto mais adequado para dar forma a sua existência insignificante. Para Valéria Pereira
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(2008, p. 59), isso se deve ao fato de o
Doutorando em Literatura Brasileira na USP e bolsista do CNPq. A pesquisadora consultou a primeira edição do livro, à qual