O sonho de Havey
Junto da pia, Janet se vira e subitamente vê seu marido, com quem se casou há quase 30 anos, sentado à mesa da cozinha, de camiseta e cueca branca, olhando para ela. Com uma freqüência cada vez maior ela encontra esse prócer de Wall Street nesse mesmo lugar, vestido dessa mesma maneira, nas manhãs de sábado: com os ombros caídos e o olhar vago, pêlos brancos nas bochechas, tetas masculinas estufando a frente da camiseta, cabelo eriçado feito uma versão envelhecida e emburrecida do Alfafa de “Os Batutinhas” (seriado norte-americano criado em 1922 por Hal Roach que fez sucesso entre as décadas de 20 e 40 nos EUA e se tornou filme em 1994. Alfafa, uma criança com cabelo espetado, é um dos personagens).
Na verdade, porém, ela não acredita que essas aparições silenciosas nas manhãs de sábado se devam a sintomas prematuros da doença, pois em todos os dias da semana, Harvey Stevens está pronto para sair e enfrentar o mundo às 6h45. É um homem de 60 anos que parece ter 50 (bem, 54) quando veste um dos seus ternos mais elegantes e que ainda domina como poucos a arte de armar uma transação, vender com lucro ou comprar barato.
Não, ele está só treinando para envelhecer, pensa ela, detestando a idéia. Tem medo de que ele fique assim toda manhã depois que se aposentar, pelo menos até que ela lhe dê um copo de suco de laranja e lhe pergunte (com uma impaciência crescente e impossível de evitar) se ele quer cereais ou apenas torradas. Tem medo de — ao interromper qualquer coisa que estiver fazendo — encontra-lo sempre sentado ali, sob um raio de sol brilhante demais, Harvey pela manhã, Harvey de camiseta e cueca, com as pernas abertas de modo que ela veja seus parcos dotes físicos (caso ela se preocupe com isso) e aqueles calos amarelados nos dedões de seus pés, que sempre a fazem pensar em Wallace Stevens e o Imperador do Sorvete.
Sentado ali, silencioso e amalucadamente contemplativo, em vez de se aprontar para sair, e se preparar