O recreio
Na minha Alma há um balouço
Que está sempre a balouçar ---
Balouço à beira dum poço,
Bem difícil de montar...
--- E um menino de bibe
Sobre ele sempre a brincar...
Se a corda se parte um dia
(E já vai estando esgarçada),
Era uma vez a folia:
Morre a criança afogada...
--- Cá por mim não mudo a corda,
Seria grande estopada...
Se o indez morre, deixá-lo...
Mais vale morrer de bibe
Que de casaca... Deixá-lo
Balouçar-se enquanto vive...
--- Mudar a corda era fácil...
Tal ideia nunca tive...
Mário de Sá-Carneiro
Análise do poema de Mário de Sá-Carneiro “O Recreio” Mário de Sá-Carneiro é um dos vultos da geração do Orfeu, um grande amigo de Fernando Pessoa com quem manteve estritas relações no domínio da criação poética e com o qual se identifica em determinados percursos poéticos. A correspondência ente os dois escritores, vem confirmar quanto estimavam e quanto reflectiam sobre a arte. “O Recreio” descreve a boa recordação que o sujeito poeta guarda de um tempo mítico, reflectido no poema através do menino que balouça dentro de si. Todo o poema está repleto de antíteses entre as ideias: presente/futuro, criança/adulto, sonho/realidade, ilusão/desilusão, vida/morte. Esta dualidade de opostos incompatíveis está manifestada na ideia do balouço, isto porque o movimento que ele cria, ao andar para a frente e para trás, relaciona-se através da metáfora com a exposição que o sujeito poético concebe acerca do seu presente e a incerteza do seu futuro. Está também evidente na própria alternância entre as estrofes do poema, a transmissão da ideia de movimento. No início da terceira estrofe, nomeadamente do seu primeiro verso «se a corda se parte um dia» acontece a ruptura entre os conceitos acima referidos. As primeiras duas estrofes retractam o passado contínuo onde o sujeito gostaria de estar ou permanecer, pois o sujeito poético nem vive o presente, vive distanciado de si e a única saída é o sonho, contudo esse