O que é revolução
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O QUE É REVOLUÇÃO Florestan Fernandes (1981) 1. O que se deve entender por revolução? A palavra revolução tem sido empregada de modo a provocar confusões. Por exemplo, quando se fala de "revolução institucional", com referência ao golpe de Estado de 1964. É patente que aí se pretendia acobertar o que ocorreu de fato, o uso da violência militar para impedir a continuidade da revolução democrática (a palavra correta seria contra-revolução: mas quais são os contrarevolucionários que gostam de se ver na própria pele?). Além disso, a palavra "revolução" encontra empregos correntes para designar alterações contínuas ou súbitas que ocorrem na natureza ou na cultura (coisas que devemos deixar de lado e que os dicionários registram satisfatoriamente). No essencial, porém, há pouca confusão quanto ao seu significado central: mesmo na linguagem de senso comum, sabe-se que a pa lavra se aplica para designar mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade. Daí o contraste freqüente de "mudança gradual" e "mudança revolucionária" que sublinha o teor da revolução como uma mudança que "mexe nas estruturas", que subverte a ordem social imperante na sociedade. O debate terminológico não nos interessa por si mesmo. É que o uso das palavras traduz relações de dominação. Se um golpe de Estado é descrito como "revolução", isso não acontece por acaso. Em primeiro lugar, há uma intenção: a de simular que a revolução democrática não teria sido interrompida. Portanto, os agentes do golpe de Estado estariam servindo à Nação como um todo (e não privando a Nação de uma ordem política legítima com fins estritamente egoístas e antinacionais). Em segundo lugar, há uma intimidação: uma revolução dita as suas leis, os seus limites e o que ela extingue ou não tolera (em suma, golpe de Estado criou uma ordem ilegítima que se inculcava redentora; mas, na realidade, o "império da lei" abolia o direito e implantava a "força das baionetas": não há mais aparências de anarquia, porque a própria