o que se revela quando se diz
Eduardo Calbucci
A língua, na maioria das vezes, oferece-nos várias possibilidades para dizer praticamente as mesmas coisas. Escolher a forma mais adequada para cada situação, cotejar usos, comparar registros, sempre tendo em mente a riqueza dos processos de variação linguística, é (ou deveria ser) preocupação de todos os falantes, sob o risco de a intercompreensão e a eficiência de comunicação se perderem.
O “ultrapassado” – ao menos em grande parte do universo acadêmico – discurso do certo X errado, fundamentado numa dicotomia tão rígida quanto equivocada, desconsidera que a língua, como sistema que é, merece ser tomada mais como um objeto de estudo do que como um pretexto para normatizações frágeis e, muitas vezes, preconceituosas.
Por exemplo: quando, no começo dos anos 50, Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira compuseram um dos maiores sucessos da música popular brasileira de todos os tempos, o baião “Asa branca”, alguns puristas podem ter ficado incomodados com o final daa quarta estrofe da canção: “Espero a chuva cair de novo / Pra mim voltá pro meu sertão” [grifo nosso]. Afinal, o uso do pronome oblíquo “mim” na posição de sujeito vai de encontro às prescrições dos normativistas, que apregoam o emprego do pronome reto (eu) numa construção como essa.
As explicações sintáticas para essa prescrição vão das mais finas (os pronomes pessoais em português mantêm resquícios da flexão de caso do latim e, por isso, são grafados diferentemente de acordo com sua função sintática) às mais insólitas (todos já ouvimos o descabido “mim não faz nada” ou o politicamente incorreto e descabido “mim é índio”). O fato é que, por mais que haja quem condene o “mim” como sujeito, esse uso não se deixou abalar e continua afirmando sua existência nas ruas.
Manuel Bandeira chegou mesmo a dizer que não havia nada mais “gostoso” do que usar o mim como sujeito de verbo no infinito. Para ele, a expressão “pra mim brincar” deveria ser