O que resta de Auschwitz RESENHA
O controverso pensamento de Giorgio Agamben tornou-se referência obrigatória para qualquer pesquisador que se depare com os dispositivos construtores de subjetividades. Seus escritos, consagrados em muitas universidades européias e norte-americanas, vêm ganhando espaço nos círculos de debates brasileiros, principalmente no que diz respeito à teoria política e literária. Na esteira desse pensamento político e dando continuidade ao projeto Homo Sacer1 , chegou às livrarias brasileiras O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha.
De pronto, o título já traz implicações que serão aprofundadas ao longo da obra. Agamben desenvolve sua noção de “resto” a partir do que chamou de “contração do tempo”. Noção esta recolhida, de maneira bastante livre, da Epístola aos Coríntios de São Paulo e numa reapropriação do conceito tempo-de-agora, de Walter Benjamim. Com isso, o resto não pode ser o que sobra ou o que permanece como um dever de memória. Ele é um hiato, uma lacuna que se instaura na língua do testemunho em oposição às classificações do arquivo, pois aquilo que não é enunciado, que não é passível de ser arquivado, é a própria língua pela qual a testemunha manifesta sua incapacidade de falar. Esta perspectiva destrói os contornos delineados do dizer e institui a verdade da fala. Esta verdade rompe com a linearidade infinita do chronos historicista e institui a plenitude do tempo-de-agora como kairos, discutido por Agamben no livro a Infância e a História (AGAMBEN, 1999, 128).3
Quando perguntada, nos anos de 1960, pela televisão alemã o que restava da Europa pré-hitlerista, Hannah Arendt respondeu: "A língua materna" (AGAMBEN, 2008, p. 159). Para compreender este resto, Agamben se vale das tensões que fazem a língua viva, seus polos de inovação e transformação, mas centrados no falante destituído da capacidade de falar. Por isso, o autor dedica o segundo capítulo ao mulçumano, pois ele seria. Agamben lembra que a situação-limite, ou