O que eu tenho e vôce não
Para entender Kafka - Incubações de 'O Processo', de Orson Wells e produzido em 1962, é uma homenagem ao inesquecível e irascível Prof. Galvão, que me iniciou na aventura de estranhamento e afastamento sóbrios das máquinas de poder.
1. Onde começa um processo jurídico? Invadindo o seu quarto de madrugada, reter seus documentos, ler seus 'direitos', impedir suas argumentações dizendo que é uma ameaça ou desacato, e, pior, ninguém lhe diz qual a acusação? 'O Processo' começa em qualquer lugar, a qualquer momento, de qualquer forma: o que está em jogo desde o início é o poder de submeter - submeter é poder de acusar mesmo que não se saiba o quê (Hannah Arendt). Carl Schmitt ficou famoso ao dizer 'soberano é quem tem poder em caso de exceção'. Logo, o Sistema provocará de forma permanente a 'exceção' para reproduzir o poder de forma 'aceitável'.
2. Máquinas, eis o que somos transformados. Veja-se o escritório onde K. trabalha! O Processo não está apenas no Judiciário, mas por toda a parte. O Sistema é mais importante que o Processo. As máquinas são instrumentos a serviço do Sistema. K. quer entender e se defender do Judiciário, portanto das máquinas, inclusive das 'máquinas-desejantes' (Deleuze) que são os homens transformados em instrumentos, mas ele esquece de tentar entender a parte maior, o Sistema. Uma multidão de seres, coisas, papéis, processos - tecnocracia a serviço do Sistema. Só quem consegue adentrar no Sistema pode respirar desse ar nefando e imprescrutável. K. tem uma mesa no meio de centenas de mesas todas iguais dispostas iguais. Centenas de máquinas de escrever fazem um mesmo barulho, como se fosse uma indústria.
3. Quando se entra no Sistema, ele é tão desumano que até as pessoas que gostamos podem virar uma ameaça. Por medo dessa amizade ser denunciada como imoral ou prejudicial, ou que o outro seja um espião e vá denunciá-lo, K. se afasta da moça que o vai ver no escritório. A 'máquina-desejante' pode afinal deixar de