O Público e o Privado
Na década de 1980, quando era moda criticar o socialismo e a opção européia pelo bem-estar social, o Brasil aprovou a criação do Sistema Único de Saúde. Mas, sem decidir pela estatização das entidades privadas e filantrópicas, o país criou uma estrutura híbrida, que mistura gestão pública com atendimento particular
por Gastão Wagner de Sousa Campos
O Brasil é um caldeirão fervente. Nele, tudo entra em ebulição e diluem-se as identidades cristalizadas. Etnia, cultura, música, culinária: a mistura é a receita permanente. Feijoada, chorinho, bossa-nova, mercado e economia de Estado são alguns produtos desse padrão tresloucado de miscigenação. A pureza é um conceito abstrato no laboratório brasileiro.
Por que seria diferente na saúde? De fato, não o é. É difícil deslindar os meandros do público e do privado pelos labirintos do Sistema Único de Saúde (SUS). Ressalte-se, contudo, que essa dificuldade não decorre apenas de idiossincrasias da história do Brasil. Há, em todo o mundo, uma polêmica acesa sobre onde termina o público e começa o privado no que diz respeito à saúde. Existem monumentais conflitos de interesse no setor, o que produz ambigüidade conceitual e grande variedade de programas e projetos políticos.
A controvérsia estendeu-se ao longo de todo o século XX. Antes, no século XIX, a resposta a essa questão era simples. A saúde pública cuidava dos problemas coletivos, a saber, das epidemias, da vigilância e regulamentação de aspectos da vida econômica e social que interessassem à sociedade, como eram os casos do controle de alimentos e do meio ambiente. O atendimento aos doentes era considerado assunto privado. Ficava, portanto, sob responsabilidade de cada pessoa, família ou empresa prover atenção sanitária aos seus necessitados. O cuidado com os pobres e desvalidos, por sua vez, se organizou como sistema de filantropia. Os Estados Unidos ainda são o estereótipo dessa alternativa.
No século XX,