O País das Quimeras
Textos literários em meio eletrônico
O País das quimeras, de Machado de Assis
Edição referência: http://www2.uol.com.br/machadodeassis
Publicado originalmente em O Futuro 1862
(CONTO FANTÁSTICO)
Arrependera-se Catão de haver ido algumas vezes por mar quando podia ir por terra. O virtuoso romano tinha razão. Os carinhos de Anfitrite são um tanto raivosos, e muitas vezes funestos. Os feitos marítimos dobram de valia por esta circunstância, e é também por esta circunstância que se esquivam de navegar as almas pacatas, ou, para falar mais decentemente, os espíritos prudentes e seguros.
Mas, para justificar o provérbio que diz: debaixo dos pés se levantam os trabalhos — a via terrestre não é absolutamente mais segura que a via marítima, e a história dos caminhos de ferro, pequena embora, conta já não poucos e tristes episódios.
Absorto nestas e noutras reflexões estava o meu amigo Tito, poeta aos vinte anos, sem dinheiro e sem bigode, sentado à mesa carunchosa do trabalho, onde ardia silenciosamente uma vela.
Devo proceder ao retrato físico e moral do meu amigo Tito.
Tito não é nem alto nem baixo, o que equivale a dizer que é de estatura mediana, a qual estatura é aquela que se pode chamar francamente elegante na minha opinião.
Possuindo um semblante angélico, uns olhos meigos e profundos, o nariz descendente legítimo e direto do de Alcibíades, a boca graciosa, a fronte larga como o verdadeiro trono do pensamento, Tito pode servir de modelo à pintura e de objeto amado aos corações de quinze e mesmo de vinte anos.
Como as medalhas, e como todas as coisas deste mundo de compensações, Tito tem um reverso. Oh! triste coisa que é o reverso das medalhas! Podendo ser, do colo para cima, modelo à pintura, Tito é uma lastimosa pessoa no que toca ao resto. Pés prodigiosamente tortos, pernas zambras, tais são os contras que a pessoa do meu amigo oferece a quem se extasia diante dos magníficos prós da cara e da cabeça. Parece que a