O PASSAGEIRO DAS SEXTAS FEIRAS
“O trem conhece o encanto que tem, não anda depressa, não apita na curva, não espera ninguém”.
O trem resfolegava incansável pelos trilhos, cujo brilho se acentuava pelo desgaste. Vez por outra emitia seus apitos, às vezes breves, outras vezes mais longos que pareciam ter por finalidade livrar os passageiros do torpor ocasionado pela viagem que parecia não ter mais fim. Os passageiros mostravam nas fisionomias cansadas o desejo incontrolável de desembarcar, embora a maioria já conhecesse o trajeto e soubesse que a estação de destino estava distante, muito distante. A paisagem passava através das janelas exibindo um colorido marcante, embora resguardasse sua magia para os próximos quilômetros. Vez por outra, serpenteava um rio ao lado do leito da ferrovia, com águas límpidas onde a natureza ainda se mantinha isolada dos homens. Entre os passageiros havia um que chamava a atenção pelo porte elegante e pela freqüência com que embarcava todas as sextas-feiras. Aparentava cerca de uns trinta anos e demonstrava um semblante sombrio embora destacasse, ao mesmo tempo, alguns gestos de expectativa e uma quase alegria. Se alguém se aventurasse a uma conversa e lhe perguntasse sua profissão ele ficaria, talvez, constrangido; qual sua profissão? Nem mesmo ele sabia o nome. Enveredava-se por um caminho de vender diversão, espalhar sonhos, decifrar os anseios de povos humildes. Munido de um velho projetor de 16 mm. e de uma desbotada lona colorida, perambulava pelas pequenas cidades na região do Caparaó, ou onde o trem o levasse, projetando velhos e heróicos filmes, permutando sua arte por alguns trocados. A lona ele mesmo armava em torno de alguns esteios de madeira e numa desafiadora mistura de funções, se dividia entre bilheteiro, projetor e narrador. Um verdadeiro herói dos anos 50. O velho projetor havia sido a única herança deixada por seu falecido pai, que possuía um pequeno cinema em uma vila do Espírito Santo. Emanuel